Por Juliana Sorrenti
Foto: Reprodução/Youtube
O Encontro de Saberes “Mitos, Luz, Sombra e Anjos” deu início ao último final de semana do 18º Festival Internacional Intercâmbio de Linguagens. Mediado por Karen Acioly, inventora do FIL, a primeira mesa desta sexta-feira (26) contou com a presença de três convidados especiais, Márcio Simão, Armelle Boussière e Emma Karanov, para debater sobre um tema que, nas palavras de Acioly, "é tão rico e tão vasto".
Com exceção da luz, que foi citada ao longo de todo o encontro, cada um refletiu sobre uma das palavras que dão nome à mesa: mito, sombra e anjos, respectivamente. Márcio Simão de Vasconcellos, mestre e doutor em Teologia Sistemático-Pastoral (PUC-RJ), especialista em Ciências da Religião, pedagogo e escritor, abriu a discussão com uma reflexão sobre as diferenças do olhar da humanidade para os mitos ao longo da história, da Idade Média até a Modernidade.
“Olhar para os mitos, na verdade, não é olhar para uma falsidade em forma de narrativa, mas é olhar para uma maneira que o ser humano tem de pensar sobre si mesmo, de enxergar a si mesmo e de enxergar a sua relação com o outro”, afirmou ele. Do teocentrismo ao antropocentrismo, o racionalismo positivista e dualista da modernidade rompe com o paradigma anterior, transformando o mito em sinônimo de mentira. O século XX, no entanto, marca o retorno do mito à sua concepção original com a ascensão da crise da razão. A 2ª Guerra Mundial expõe outra faceta do racionalismo: a razão para instrumentalizar a morte.
Trazendo a literatura fantástica como exemplificação do pensamento complexo de Edgar Morin, o escritor refletiu sobre contos de fadas não-tradicionais, que compreendem novas formas de pensar as relações humanas e revalorizam outras formas de pensar o real. De autores e tempos diversos, “O Visconde Partido ao Meio”, “Phantastes” e “O Silmarillion” invocam mito, luz, sombras e anjos sob uma nova perspectiva afastada do racionalismo moderno.
De Sorbonne Nouvelle, em Paris, Armelle Boussière e Emma Karanov debateram, respectivamente, sobre sombra e anjos, trazendo o teatro francês como repertório para o encontro virtual. Trabalhando com crianças e adolescentes, Boussiére, atriz e pedagoga, desenvolve, atualmente, uma pesquisa sobre personagens de sombras na dramaturgia francesa. Segundo ela, eles são divididos em duas categorias: espectro fantasmagórico, como manifestação do além em “Flor de Inverno” e sombra projetada, como em “O Guardião das Sombras”, livro de Nathalie Papin, uma representação de parte da nossa humanidade.
Karonov, que realiza um mémoire sobre a figura do anjo no teatro contemporâneo há 1 ano e 6 meses, destacou que a individualidade e independência dos anjos surge a partir da ausência da figura de Deus. “Podemos ler isso como uma fase de rebelião para a humanidade, de desencantamento, de perda de fé”, observou. Nesse contexto, segundo ela, a personalidade do anjo é complexa e fragmentada, manifesta de diferentes formas na dramaturgia francesa.
Focando no teatro da juventude, a pesquisadora abordou peças francesas contemporâneas, inspiradas nos contos dos Irmãos Grimm, para mostrar o retrato do anjo na dramaturgia. Do anjo da guarda convencional, em “A jovem sem mãos”, ao anjo sádico que mistura arquétipos sombrios e divinos, em “Água da Vida”, o anjo é hoje protagonista, construindo arcos complexos em suas próprias histórias.
A apresentação visual intitulada “Onde começam os mitos alados que nos habitam”? encerrou o encontro virtual. Karen Acioly reuniu as imagens da representação dos anjos na arte, evocando novamente as falas dos convidados, que transformaram a mesa em uma verdadeira sala de aula para os leigos e interessados no assunto. A troca e o diálogo marcaram o encontro que refletiu a identidade do FIL: um presente, no presente.
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